O que é comunicação não violenta?

Os conflitos com nossos filhos são inevitáveis. Uma hora ou outra vamos enfrentá-los, seja pelo simples fato de não querer tomar banho, arrumar o quarto, guardar os brinquedos ou sair para uma balada com os amigos sem hora para voltar. Alguma mãe aí por um acaso, nunca vivenciou algo parecido? Mas você sabia que ao se comunicar com seu pequeno ou adolescente de forma positiva, você pode: 

– Estabelecer uma relação baseada na cooperação e na confiança

– Amenizar os conflitos entre irmãos;

– Expressar sentimentos, frustrações e raiva de forma segura;

– Entender o que está por trás do comportamento dos filhos;

– Nutrir a autonomia e autoestima da criança/adolescente;

– Mostrar desejos e necessidades de forma que eles ouçam e compreendam.

Quer saber como? Vou te apresentar a Comunicação Não Violenta!

A CNV (Comunicação Não Violenta) é um processo de comunicação desenvolvido por Marshall Rosenberg, psicólogo americano. Ela requer um estado de consciência no qual a compaixão, o respeito, a atenção e a empatia prevalecem entre as pessoas, através da comunicação. Infelizmente, naturalizamos uma forma muito agressiva e violenta de nos comunicarmos, repare no seu dia a dia: gritos, ordens, cinismo, deboche e críticas fazem parte da nossa vivência com nossos filhos e com todos que convivemos, seja no trabalho ou no lar. Herdamos essa forma “combativa” e reativa de nos comunicarmos.  E a Comunicação Não Violenta nos leva a uma consciência maior da nossa forma de expressão e de como recebemos as informações. Ela se baseia em 4 componentes :

  • observação;
  • sentimento;
  • necessidades;
  • pedido.

Expandindo esses componentes, podemos ter algo assim:

  • observamos o que está acontecendo de fato. Sem julgamentos e sem juízo de valores. Apenas uma declaração do que estamos observando que pode (ou não) ter nos agradado;
  • identificamos e nomeamos o que estamos sentindo em relação ao que observamos. Ou seja, falamos que estamos nos sentindo frustrados, alegres, magoados, irritados, dentre outros;
  • informamos as nossas necessidades, valores e desejos que estão conectados aos sentimentos que nomeamos anteriormente. Em outras palavras, quais são as necessidades que nos fizeram nos sentir daquela maneira;
  • pedimos que determinadas ações concretas sejam realizadas, de forma a atender nossas necessidades.

Lendo assim, pode até parecer fácil praticar a CNV. Mas acredite, não é. Para você conseguir atingir este nível de consciência na comunicação, é necessária muita dedicação, prática e, principalmente, vontade do coração.

Para que você entenda melhor esse processo de forma bem prática, vou pegar alguns exemplos do Thiago Queiroz, que ilustra bem como podemos trazer a CNV para nossa realidade:

  1. OBSERVAÇÃO

Quando combinamos observação com avaliação, as pessoas tendem a receber isso como crítica. – Marshall Rosenberg

Um dos maiores desafios da CNV é a observação sem julgamento. Apesar de todos nós concordarmos que não devemos julgar uns aos outros, fazer isso na prática é muito difícil. Na maioria das vezes, nós não percebemos, mas nossos discursos sempre recebem injeções de julgamentos e avaliações, impedindo que um canal de comunicação compassivo e empático seja criado entre as pessoas.

Do outro lado, está a pessoa que está recebendo o julgamento e, sempre que uma pessoa sente a menor pitada de julgamento em relação a ela, a tendência é dessa pessoa se armar e ficar na defensiva, bloqueando a compaixão e empatia que estamos buscando.

A seguir, você pode encontrar alguns exemplos de declarações com julgamento e, em seguida, as mesmas declarações sem julgamento:

– Você é bagunceiro, olha a bagunça que sempre está no seu quarto.

– Você nunca ajuda em casa.

– Você é preguiçoso, tem um monte de dever de casa para fazer.

Quando você faz declarações como esta, você está atribuindo valores às pessoas. Se tentarmos reformular estas sentenças e remover o julgamento, elas poderiam ficar assim:

– Seu quarto está bagunçado.

– Você não ajudou a manter a casa limpa nem ontem, nem hoje.

 – Você não fez seu dever de casa.

Além do julgamento, comparações costumam ser igualmente prejudiciais a qualquer julgamento. E, se olharmos para os nossos filhos, comparar é o que mais fazemos com eles, mesmo quando eles ainda são bebês.

  1. SENTIMENTOS

Expressar nossa vulnerabilidade pode ajudar a resolver conflitos. – Marshall Rosenberg

Assim como observar sem julgar, identificar e nomear nossos sentimentos não são tarefas fáceis porque passa por lugares que a maioria de nós desejamos distância:

  • assumir responsabilidade pelos nossos sentimentos;
  • demonstrar vulnerabilidade.

Sobre a responsabilidade pelos nossos sentimentos, irei detalhar isso no próximo tópico. Mas e quanto a demonstrar vulnerabilidade? Por que isso é algo que devemos evitar ao máximo? Quando expomos nossos sentimentos, estamos sendo os mais sinceros possíveis em nossa comunicação. Por algumas pessoas, isso pode ser interpretado como vulnerabilidade, mas na verdade, são apenas os seus sentimentos.

Outra dificuldade muito grande dentro da CNV, que diz respeito aos nossos sentimentos, é que, muitas vezes, nós achamos que estamos falando como estamos nos sentindo, mas na verdade não estamos. Veja os exemplos:

– Eu sinto que o meu bebê é muito agitado.

– Eu sinto como se estivesse criando um filho sozinha.

– Sinto que tudo isto é inútil.

Todos os exemplos acima não dizem sobre o que as pessoas estão sentindo mas, na verdade, dizem sobre o que as pessoas pensam sobre elas ou sobre outras pessoas. O simples fato de ter a palavra “sentir” no meio da sentença não garante que você está falando de um sentimento. Na verdade, quando existe a palavra “sentir” na sentença, é bem provável que você não esteja falando de sentimentos reais.

  1. NECESSIDADES

Quando expressamos nossas necessidades, temos mais chance de vê-las satisfeitas. – Marshall Rosenberg

Todos nós temos necessidades e valores que nos dizem como nós devemos encarar a vida e o que devemos esperar dela e das pessoas. Isso está intimamente ligado com os nossos sentimentos e, como mencionei no item anterior, precisamos assumir responsabilidade pelos nossos sentimentos.

Quando eu falo em assumir responsabilidade pelos nossos sentimentos, eu quero dizer que, muitas vezes, nós atribuímos os nossos sentimentos como sendo de responsabilidade de outras pessoas. Na realidade, nossos sentimentos existem em função das necessidades e valores que possuímos. As pessoas, por sua vez, podem (ou não) atender nossas necessidades e valores, desencadeando os nossos sentimentos.

Este é um tema bastante confuso, então vou usar alguns exemplos aqui para facilitar o entendimento:

– Você me desapontou ao não aparecer na noite passada.

Neste exemplo, uma pessoa diz que seu desapontamento é culpa da outra pessoa, que não apareceu. Compare agora com essa versão alterada da mesma pessoa desapontada, mas que agora assume a responsabilidade dos seus próprios sentimentos:

– Fiquei desapontado quando você não apareceu, porque eu queria conversar a respeito de algumas coisas que estavam me incomodando.

Agora, vamos para um exemplo que está mais dentro da nossa realidade de pais e mães:

– Fiquei muito irritado porque você bagunçou seu quarto.

Quem nunca disse ou pensou em dizer algo parecido? O problema deste discurso é que ele culpa o filho por estar sentindo-se irritado, e isso não é uma verdade. Perceba a diferença quando a sentença é alterada, para que o pai ou mãe assuma a responsabilidade por seu sentimento:

– Fiquei muito irritado quando vi o quarto bagunçado, porque eu preciso de um mínimo de organização e ordem na casa para me sentir confortável.

Essa mudança de foco pode parecer banal, mas não é. Quando nós assumimos os nossos sentimentos, passamos a refletir de maneira diferente sobre os nossos sentimentos e, principalmente, nossas necessidades. Desse modo, deixamos de culpar os outros (principalmente os nossos filhos) pelo que estamos sentindo. Este não é um processo nada fácil, mas extremamente reconfortante, quando atingido.

  1. PEDIDO

 É comum não termos consciência do que estamos pedindo. – Marshall Rosenberg

Uma das maiores dificuldades de todos nós é fazer um pedido. Isso acontece porque, muitas vezes, nós sequer sabemos aquilo que desejamos pedir. E por que isso? Não deveria ser fácil nós sabermos o que queremos? Seria, se nós seguíssemos a linha de pensamento da CNV.

Se pensarmos que nós temos necessidades ou valores e o atendimento (ou não) dessas necessidades desencadeia sentimentos em nós, temos a oportunidade de fazer pedidos que tendem a enriquecer nossas vidas. Mas se nós não identificamos as nossas necessidades antes, só focamos em nossos sentimentos e no julgamento dos outros, então fica quase impossível identificar aquilo que realmente queremos pedir.

Além disso, existe uma grande diferença entre pedido e exigência. A diferença básica entre pedido e exigência é que na exigência, as pessoas percebem que serão culpadas ou punidas por não atenderem àquela demanda. E, obviamente, quando uma pessoa ouve uma exigência, as chances de que ela receba aquilo abertamente e atenda com o coração são remotas.

Se conseguirmos identificar nossas necessidades, ligando-as aos nossos sentimentos, é mais fácil fazer um pedido sincero e consciente. Porém, isso não é tudo, porque temos que fazer pedidos claros e objetivos às pessoas, principalmente aos nossos filhos. Por exemplo, pedidos realizados através de uma linguagem positiva são muito mais fáceis de entender do que pedidos realizados através de um discurso negativo. Em outras palavras, é bem mais simples entender o que uma pessoa quer que nós façamos, ao invés do que ela não quer que façamos.

CONCLUSÃO

Segundo Rosemberg, 90% do nosso sofrimento acontece por causa de nossas interpretações. Ou seja, precisamos muito tomar mais consciência da forma com que nos comunicamos. Essa mudança na maneira de enxergar a situação quer dizer que o comportamento alheio não tem o poder de criar um sentimento dentro de mim. Ou seja, quando um filho grita, você pode decidir não gritar de volta e gerir melhor os sentimentos que esse fato te provoca. O sentimento aparece a partir da avaliação que eu faço do comportamento do outro. Ficando claro que cada um é responsável pelos seus sentimentos, e as ações dos outros são apenas estímulo, mas nunca a causa dos nossos sentimentos.

Nada fácil, mas totalmente possível e transformador. Sugiro a leitura do livro de Marshall Rosenberg. A CNV requer um exercício constante de avaliação de como estou me comunicando e me relacionando com as outras pessoas. É uma prática diária, mas que vale muito a pena. A CNV tem me ajudado muito não só enquanto mãe e esposa, mas também enquanto educadora parental. Mas a coisa não para por aí. Um dos maiores presentes que a CNV nos dá é a possibilidade de nos conectarmos com nós mesmos, compassivamente: a autocompaixão.

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